A minha bisavó, a quem chamavam Maria da Caridade, não era muito fã de trovões e relâmpagos e costumava rezar uma oração, dizia ela que servia para afastar as trovoadas, nunca nenhum(a) de nós consegui decorar a dita-cuja oração e após uma pesquisa eis o que encontrei...
Algumas notas sobre Santa Bárbara
Padroeira dos que trabalham com fogo e explosões, artilheiros, mineiros, metalúrgicos, pirotécnicos, por extensão da sua capacidade de afastadora das trovoadas, Santa Bárbara, é alvo de um culto antigo e firme, que a surpreendente exclusão do calendário litúrgico pelo papa Paulo VI, em 9 de Maio de 1969, não iria reduzir [1]. Festejada a 4 de Dezembro, por vezes a sua celebração é deslocada para o Verão, sobretudo em comunidades de forte emigração, para contar com a presença, mesmo transitória, dos que então visitam a terra natal. Outros há que, como fiz o povo, "só se lembram de Santa Bárbara quando troveja", ditado que eu dedico a muitos dos planeadores, planificadores e alguns planadores nacionais.
Dando um exemplo desse arreigado culto popular, a Escola Secundária de Valença do Minho, no seu interessante portal e página
http://www.esec-valenca.rcts.pt/patrimonio.htm
e na secção “Mezinhas” recolheu e publicou a seguinte invocatória a Santa Bárbara, “para acalmar tempestades”:
«Santa Bárbara Virgem se levantou
e no seu livrinho de ouro pegou.
O Senhor lhe perguntou:
Para onde vais Bárbara?
Vou juntar trovoadas
que andam pelo mundo espalhadas.
Pois Bárbara virgem [vai]
e junta-as para onde não haja pão,
nem vinho,
nem bafo de menino,
nem galo a cantar,
nem boi a urinar.
Pela graça de Deus e da Virgem Maria,
reza-se um Pai Nosso e uma Avé Maria».
Esta recolha, cujo texto reparti por versos, mereceu-me um cumprimento de satisfação mas dois pequenos reparos, o segundo dos quais já formulado á referida Escola: primeiro, no comando divino à santa parece faltar o [vai] que se acrescentou; segundo, não acredito mesmo que a palavra “urinar” possa estar presente na versão original da invocatória, em que provavelmente a palavra “mijar” deveria surgir. Eu sei que este vocábulo pode parecer desagradável a ouvidos sensíveis e que se trata do portal duma Escola, logo sujeito certamente a determinados reparos pelos detentores desses mesmos pavilhões ou orelhas, mas na fala do Minho as coisas são mesmo assim e, quando se faz registo de tradições populares, as palavras devem manter-se exactamente como se ouviram e se dizem. Aliás, em termos de chocante, bastaria invocar como precedente respeitável, a fala do tolo no auto das barcas de Mestre Gil, dita certamente e explicada nessa Escola tal como por Mestre Gil foi escrita e levada aos ouvidos do Rei. Por outro lado, subsiste ainda uma pergunta: sendo o concelho de Valença heterogéneo, com parte urbana avassaladoramente crescente, parte ribeirinha e a “serra” (neste caso o monte da Senhora do Faro e as freguesias mais afastadas de Cerdal, Taião e Boivão) em que freguesia de Valença foi esta versão recolhida?
Um ícone representando a Santa com um dos seus principais atributos: a torre.
Já que falamos na oração a Santa Bárbara, uma sugestão foi remetida a essa escola: por que não se dedicarem a uma compilação gradual e tranquila de variantes desse arreigado devocionário popular (ou de outras manifestações do mesmo estilo, que também constam da citada página) ouvidas de “gente antiga” (mas nunca “gente velha”) em Valença, no Minho, na Galiza, no País, em locais em que possam ser recolhidas, por alunos e professores nas suas deslocações correntes ou feriais, fazendo um album aberto (inclusive na net, com apelo a outros contributos) em que fossem sucessivamente compilando, devidamente referenciadas, as diversas versões recolhidas? E, porque não gosto de dar sugestões sem algo trazer para elas, remeti-lhes logo a “Oração a Santa Bárbara” tal como é patente no alentejano Museu de Marvão (que vale a pena visitar, mas que actualmente está encerrado, “em obras”, segundo me dizem), entre outras invocatórias populares da região, todas com muito interesse:
“Santa Bárbara bendita,
No Céu está escrita,
Num papel com água benta,
Livra-nos desta tormenta
Que a leve lá para longe,
P’ra onde não haja pão nem vinho,
Nem flores de rosmaninho,
Nem mulheres com meninos,
Nem vacas com bezerrinhos.
Já os galos cantam,
Já os anjos se levantam,
O Senhor está na cruz,
Para sempre, amén Jesus.”
Ora deu-me, nestes dias, para passear os olhos pelo “Dicionário do Folclore Brasileiro”, de Luís de Câmara Cascudo, Editora Tecnoprint, Rio de Janeiro, 3ª Edição (edição de bolso [2]),1972, em que – previsivelmente – fui procurar o conceito “Santa Bárbara”. Não encontrei nada... e foi em “Bárbara” , pag. 143, que vim encontrar outra achega para esta pesquisa, que fica tão em aberto e é tão livre aqui quanto eu sugeri à Escola de Valença que ficasse. Verdade é que se eu me tivesse metido no conceito “Iansã”, identificada com Santa Bárbara no sincretismo religioso baiano (e não só), ia abrir uma porta de alance e conteúdo assaz complicado. Recomendo, por isso, a leitura de uma das últimas obras de Jorge Amado “O Sumiço da Santa” (1988) e, em termos desse sincretismo religioso, fico-me cautelarmente por aqui.
Mas voltando ao conceito “Bárbara”, aí o temos, tal como achado em Câmara Cascudo e com evidentes componentes lusas (como aliás muito da obra, como não podia deixar de ser):
“Bárbara, Santa: Invocada ao lado de São Jerônimo, para afastar as tempestades, grandes chuvas e especialmente os trovões. Foi mesmo sinônimo de paiol de pólvora o Santa Bárbara do Forte, porque protegia o depósito contra o perigo de explosões. Por uma associação de ideias, a santa, que sempre viveu alheia à especialidade que obteria depois da morte [3], foi obrigada a sair despida pelo Cônsul Marciano. Rezou: “Seigneur, vous, qui êtes mon soutien et qui couvrez le ciel de nuages, couvrez mon corps qu’il ne soit pas exposé aux regards des impies. Et il descendit du ciel un ange qui lui apporta une tunique blanche.” (Jacques de Voragine, Legende Dorée, II, 321). A alusão da Santa ao céu nublado constituiu-a égide dos escampados celestiais. É tradição que recebemos de Portugal. No Brasil reza-se:
“Santa Bárbara a bendita
Que no céu está escrito;
Com papel e água benta,
Aplacai esta tormenta!”
Em Portugal, J. Leite de Vasconcelos (“Tradição da Atmosfera em Portugal, Era Nova,222):
“Santa Bárbara bendita
Que nos céus estais escrita
Com papel e água benta,
Abrandai esta tormenta.”
(Modim) [sic]
“S. Bárbara bendita,Se vestiu e se calçou,
Ao caminho se botou,
A Jesus Cristo encontrou;
E Jesus lhe perguntou:
- Tu, Bárbara, onde vais
- Vou espalhar as trovoadas
Que no céu andam armadas,
Lá na serra do Marão,
Onde não haja palha nem grão,
Nem meninos a chorar,
Nem galos a cantar.”
(Vila Real)
A tradição, vinda de Espanha, continua viva na América Latina.”[4]
Concluindo... e inclusive para recolher e enviar, como achega, à ESEC-Valença, agradecem-se todos os contributos que, neste particular, me possam fazer chegar e assim certamente enriquecer este apontamento. Aliás, já que estamos em invocações pias, retiro de Câmara Cascudo, op. cit., uma referência que este extrai do Evangelho de S. João, 3, 31 para abrir a sua obra:
“O que é da terra é da terra e fala da terra.” [5]
E havia também quem se socorresse de S. Gregório...
Quando os habitantes de Bombel pressentiam que se aproximava uma trovoada, como forma de se protegerem dela, ou até de a afastar, recorriam a determinados rituais e rezas. As pessoas queimavam ramos de alecrim, fazendo muito fumo para manter as trovoadas longe e diziam a seguinte oração:
“São Gregório se levantou e o seu pézinho direito calçou e Nossa Senhora perguntou:
- Onde é que vais S.Gregório?
- Vou espalhar as trovoadas, lá para longe, onde não há eira nem beira, nem raminho de oliveira, nem alminha cristã, nem cabelinho de lã.”
2 comentários:
A tia tb gostou mt deste post (só leu as gordas). Diz k n era nenhum destes k a avó dizia, ms k há 1 mt parecido. Prontos. Ficamos a aguardar as fotos do bolo de aniversário, da lasanha e do jardim. Obrigada pela vossa atenção.
Sim senhora. Vivendo e aprendendo.
Gostei.
Bjs
Ana Maria
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